Reportagem Especial
Tabagismo - História do Cigarro - ( 08' 49" )
31/05/2005 - 00h00
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Tabagismo - História do Cigarro - ( 08' 49" )
Quando os europeus chegaram à América, encontraram, aqui, o tabaco, planta que já era conhecida e usada pelas sociedades indígenas, especialmente em rituais religiosos. Os índios acreditavam que a fumaça tinha poderes mágicos e terapêuticos, além de dar ao líder espiritual da tribo, o poder de adivinhar o futuro.
Com o período dos grandes descobrimentos e a colonização européia na África e na Ásia, o tabaco se difundiu por todos os continentes. Por volta de 1560, o botânico e então embaixador francês em Portugal, Jean Nicot, estudou e atribuiu propriedades medicinais à planta, que acabou sendo batizada com seu nome e ficou conhecida cientificamente como Nicotiana tabacum.
Durante os séculos XVI e XVII, o consumo do tabaco era destinado basicamente para fins médicos. Mas com a revolução industrial e a mudança significativa na rotina de trabalho com o avanço do capitalismo, no século XVIII, o tabaco passou a ser usado com outras finalidades.
Para o jornalista Mário César Carvalho, autor do livro "O cigarro" e estudioso do assunto há mais de uma década, não é possível dissociar o capitalismo do uso do tabaco na sociedade moderna.
"A rotina que o capitalismo começa a impor é muito diferente do trabalho do mundo mercantil ou do mundo medieval. Você é obrigado a permanecer uma grande quantidade de horas num ambiente que não é mais um ambiente seu; é uma fábrica, é uma indústria.A sua atenção é requerida o tempo todo. Então alguns aditivos acabam mexendo com a concentração; e eu acho que o café e o cigarro, que são bem típicos desse tipo de alteração da consciência, vão acompanhar o avanço do capitalismo."
As primeiras fábricas de cigarro apareceram no final do século XIX. A industrialização fez aumentar a produção e o preço caiu. Com o desenvolvimento de novas tecnologias, como a máquina de enrolar cigarros, o produto se tornava cada vez mais popular.
O consumo do tabaco, especialmente na forma de cigarro, ganhou impulso durante as grandes guerras. Na época, acreditava-se que o cigarro poderia ser usado no combate ao stress e à ansiedade. Até então, não se conhecia os verdadeiros efeitos e a dependência que a droga causava. Mário César Carvalho lembra que, no período das guerras, o consumo de cigarro foi muito facilitado.
"Desde a primeira guerra mundial, os exércitos incluem o cigarro nas rações de seus soldados. Da mesma forma como você ganha farda, bala, armamento, faca, bota, você ganha cigarro. E os próprios militares têm todo um culto do cigarro. Vários generais americanos, por exemplo, diziam: ´Olha, você quer que eu ganhe uma batalha? Então, me dê um pelotão bem treinado e cigarro à vontade´."
A indústria do cigarro continuou a se expandir e a conquistar novos adeptos. Na época áurea de Hollywood, ela soube explorar o mercado. Afinal, o hábito de fumar - representado nas grandes telas - estava sempre relacionado à sensualidade de atrizes como Marlene Dietrich e à elegância de Ingrid Bergman; ao charme de estrelas como Humphrey Bogart e à virilidade de Clark Gable; à força de John Wayne e à leveza do bailarino Fred Astaire. Para Mário César Carvalho, Hollywood é, talvez, a maior máquina de propaganda que o cigarro já teve.
"O cigarro no cinema atinge, sobretudo, o adolescente que está querendo se firmar com um comportamento próprio. Ele passa por uma fase de grande insegurança - todos nós já fomos adolescentes e sabemos disso - e o cigarro ajuda tanto a criar uma identidade quanto a incluí-lo num grupo, que é o grupo dos fumantes. A indústria sabe muito bem disso e explora esse tipo de coisa no cinema."
Foi o que aconteceu com o artesão Armando José Santos, hoje com 59 anos. Aos 16, ele vivia numa região fumageira, no interior da Bahia. O avô era agricultor e cultivava a folha do fumo. Armando conta que gostava do cheiro da planta, mas que também resolveu experimentar o tabaco, influenciado pelo cinema.
"Tinha também o apelo do cinema, os filmes onde os atores apareciam fumando. E era muito charmoso e isso mexia muito com a gente. Hoje não mexe mais. Mas na época mexia e se optava por fumar. É uma questão de afirmação também. Com 16 anos, eu queria ser homem, queria ser adulto, e com o cigarro, eu parecia mais adulto, me sentia mais adulto."
Aos 71 anos, a aposentada Maria Aída Ribeiro conta que começou a fumar com pouco mais de 30 anos e, que naquela época, também achava "chique", o hábito de fumar.
"Eu achava muito elegante. Todo mundo falava: ´olha a elegância dela´ e eu achava que era mesmo (risos).Aquilo deixava a gente com o astral mais alto. Eu não via nenhum mal no cigarro. Eu achava elegante, achava bom e achava o cigarro um companheiro."
Como a Medicina continuou a demonstrar associações entre o tabagismo e doenças clínicas, o conceito de substância prejudicial à saúde crescia entre as pessoas, sentimento que se consolidou nos anos 80, quando não havia mais dúvida sobre o mal causado pelo tabaco.
Há ainda documentos que atestam que pesquisas contundentes demonstravam que o cigarro era nocivo à saúde já nos anos 30. Mário César afirma que a indústria cometeu fraudes, propagou mentiras com ares de controvérsia científica e enganou os consumidores ao omitir informações de que o cigarro é nocivo à saúde.
"Eu não conheço nenhum outro produto na história do capitalismo que tenha passado por tanta manipulação e que tenha sido alvo de tanta informação enganosa como é o caso do cigarro."
Para o pesquisador e jornalista, a tomada de consciência da sociedade em relação aos malefícios do fumo deve-se a dois movimentos sociais importantes: o primeiro foi liderado pelo mundo científico, que se dedicou a provar que o cigarro faz mesmo mal a saúde. Esse trabalho, segundo Mário César, vai coincidir com o aumento da consciência ambiental e com o movimento da contra-cultura, que nos anos 50 e 60, levou a sociedade a questionar as grandes corporações.
"A minha impressão é que o encontro dessas pesquisas com esse ambiente de contestação e de consciência ecológica vai acabar disseminando por toda a sociedade essa idéia de que o cigarro é um produto criado por grandes corporações e que todos os malefícios dele foram escondidos de forma até criminosa por essas indústrias."
Hoje, já não é mais elegante fumar cigarro. Ao invés da sensação de liberdade, o fumante está preso à droga porque ela causa dependência.
O artesão Armando José, que tinha no tabaco um companheiro para todas as horas, tem uma opinião diferente sobre o cigarro hoje.
"É um péssimo negócio. De todas as coisas que eu fiz em minha vida, de todas as experiências, que lograram êxito ou não, eu acho que todas foram válidas. Mesmo os fracassos, eu acho que tudo foi válido. A única coisa que eu garanto que não foi válido na minha vida, foi fumar cigarro. Realmente não tem nenhuma compensação em se fumar. Absolutamente nenhuma. O cigarro não vale a pena."
A Organização Mundial da Saúde considera o tabaco, o maior causador de mortes evitáveis do mundo. A preocupação com os números cada vez mais alarmantes, levou a entidade a criar em 1987, o Dia Mundial sem Tabaco, comemorado em todos os países, no dia 31 de maio. Mas essa já é uma outra história e que será contada na reportagem de amanhã.
De Brasília, Luciana Vieira
Acessado em 13/11/2023 às 09:51 no endereço: https://www.camara.leg.br/radio/programas/257253-tabagismo-historia-do-cigarro-08-49/